Debate na UFBA: Medida Provisória do ensino médio limita o futuro do país

21/10/2016

Tramitação acelerada da MP exige ação rápida

A mesa de debates “A reforma do ensino médio proposta através da Medida Provisória”, que encerrou na quinta feira, 20/10, o seminário “Reflexões sobre o Ensino Médio Brasileiro: impactos da Medida Provisória 746/2016”, mediada pelo reitor da UFBA, João Carlos Salles, deixou uma proposta clara de ação para quem se reuniu ao longo de todo o dia no salão nobre da Reitoria da UFBA: é preciso lutar em todos os fronts possíveis contra a aprovação de uma MP que, a rigor, ameaça o futuro do país, ao empobrecer o ensino médio e restringir o alcance da educação para milhões de jovens, por meio de sua orientação precoce e exclusiva ao mercado de trabalho e atendendo aos interesses do mercado.

"Uma reforma como essa não poderia ter sido proposta por meio de medida Medida Provisória", afirmou Salles, na abertura do evento, observando, no argumento da reforma proposta, "uma confusão entre real e ideal que, em filosofia, chamamos 'ideologia'". "O argumento é de que o 'novo Ensino Médio' permite maior escolha aos estudantes. Mas a pergunta é: 'Escolher o quê?' Quem pode escolher é uma diminuta camada. Outros estão escolhendo por milhões desses jovens, e essa reforma do ensino médio limita gravemente o futuro do país”, disse o reitor.

A mesa foi integrada pelos professores José Aritmatéia Dantas Lopes, reitor da Universidade Federal do Piauí (UFPI); Sandra Regina Paz da Silva,pró-reitora de Graduação da Universidade Federal de Alagoas (UFAL);  Ariane de Sá, pró-reitora de Graduação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB); Heleno Araújo, coordenador do Fórum Nacional de Educação; Almerico Lima, da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) e Célia Maria Benedicto Giglio, coordenadora geral do Comitê Gestor Institucional de Formação Inicial e Continuada de Profissionais da Educação Básica da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP),

Para todos eles, ao mesmo tempo em que é necessário expandir e ampliar o debate na sociedade sobre melhoria do ensino médio, na linha de uma legislação democrática e socialmente inclusiva que vinha sendo construída desde 2003, é preciso trabalhar em ritmo de urgência para evitar a aprovação da Medida Provisória, que exatamente hoje completa um mês. Esse tipo de instrumento tem trâmite muito rápido: exige aprovação em até 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias; e, com 45 dias, trava a pauta de votações do Congresso, obrigando os representantes a votar o assunto em regime de urgência. Isso significa que, sem uma firme ação contrária, já em janeiro de 2017 o ensino médio no país terá que está em conformidade com o que propõe a MP 746. "É fundamental que cada um de nós procure os representantes, mande e-mail para os congressistas, porque não vai haver tempo para discutir", enfatizou o reitor da UFPI.

O coordenador do Fórum Nacional de Educação, Heleno Araújo, apresentou dados que apontam que uma quantidade alarmante de professores da educação básica já são, atualmente, contratados em regime temporário - ou seja, sem concurso público para ingresso na carreira do magistério. Os percentuais variam entre 20% (português), 27% (matemática), 44% (química), chegando a bater a casa dos 70% em artes e 78% em sociologia. "Quer dizer: essa reforma é uma maneira de legalizar o que Estados e Municípios já vêm fazendo ilegalmente", afirmou. Heleno criticou ainda o perfil pouco republicano das audiências públicas que vêm sendo promovidas pelo MEC.

Para Sandra Regina, da UFAL, a Medida Provisória revela "quão autoritário é esse governo". "Não há urgência, em Educação, que prescinda do debate. Não se trata de uma reforma, mas de uma contra-reforma, que desestrutura o Ensino Médio brasileiro", observou, criticando a intenção do governo de criar escolas-modelo - "ilhas de excelência", segundo ela - em detrimento da universalização da qualidade do serviço. 

Ensino integral x Ensino em tempo integral

A pró-reitora da UFAL chamou atenção para a diferença entre as noções de "ensino integral" - que remete à proposta de formação humanista e pluralista, fundada em ideais de educadores como Anísio Teixeira e Paulo Freire - e "ensino em tempo integral", que se resume a manter as crianças na escolas, ocupadas durante o dia inteiro, reproduzindo uma mentalidade tecnicista e excessivamente especializadora da formação oferecida. Mesmo para esse perfil de "tempo integral", diz ela, não se está propondo um financiamento suficiente. "Fiz um cálculo que mostra que as escolas que aderirem às novas regras receberão R$ 7,52 por aluno por dia, ou R$ 166 a mais por mês. Isso é insuficiente para garantir qualidade."

Nesse "novo ensino médio", sociologia, filosofia, artes e educação física estarão fora do currículo obrigatório, disciplinas essenciais, a depender do manejo da carga horária, poderão ocupar não mais que 30% do tempo de aulas, que, aliás, deve flutuar do tempo integral previsto só para uma minoria de escolas a tempo insuficiente na maioria delas. Professores estarão dispensados de uma formação específica, em favor de um mal definido notório saber, e o ensino técnico orientado para o mercado dispensará a formação crítica e humanística do estudante, entre outras características. "Essa escola que se está chamando de 'integral' é extremamente empobrecedora, porque ataca conceitos básicos da pedagogia, e retira dos alunos oportunidades de conhecimento ao retirar dos professores a oportunidade da pesquisa", observa Sandra, que enxerga um cenário de "precarização e proletarização" das condições de trabalho dos docentes. "Que notório saber é esse?", questionou.

A pró-reitora da UFPB ponderou que, embora haja necessidade de se fazer uma reforma, ela não deve ser feita de maneira autoritária, atropelando o debate travado há anos por especialistas e pela sociedade. "É preciso uma reforma, mas uma reforma pactuada. Não simplesmente um 'ajuste', via MP", disse Ariane de Sá, sugerindo que a diretriz atual se aproxima das normativas do Banco Mundial. "É a vida social regulada pelo endeusamento ao mercado", observou, enfatizando a conexão entra a MP 746 e o congelamento orçamentário para áreas fundamentais, como Educação e Saúde, pretendido pela PEC 246. 

Nesse sentido, Almerico Lima, da UFRB, questionou a concepção de "jovem" que norteia a MP. "Que jovem é esse? Um jovem de classe média, das grandes cidades. Essa é uma concepção unidimensional. O jovem brasileiro é muito mais plural do que isso.", afirmou. "Qual o sentido dessa reforma? Retirar recursos da Educação para alavancar um novo ciclo de acumulação do capitalismo", resumiu.

Ausência do MEC

Na abertura da mesa, o reitor João Carlos Salles lembrou que convidara pessoalmente para participar do seminário, na mais recente reunião da Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a secretária executiva do Ministério da Educação (MEC), Maria Helena Guimarães. E ela publicamente aceitou o convite. Entretanto, terminou não vindo ao seminário nenhum representante do MEC, o que impediu um diálogo entre as partes envolvidas na discussão da reforma do ensino médio.

João Carlos Salles também fez referência às justificativas do ministro da Educação, José Mendonça Bezerra Filho, para a MP do ensino médio, em artigo publicado na Folha de S. Paulo em 16 de outubro. Dizia o ministro, “O novo ensino médio permite ao estudante escolher áreas de conhecimento de acordo com sua vocação e projeto de vida. Possibilita, também, que opte pela formação técnica. Outra parte do ciclo será comum a todos pela base curricular. O jovem vai projetar seu futuro, seja no ensino superior, seja no técnico profissional” Isso após deixar clara sua visão sobre a maioria da população pobre e jovem do país ao observar que “É inaceitável que o Brasil, oitava economia do mundo, conviva com 1,7 milhão de jovens entre 17 e 19 anos que nem estudam e nem trabalham, que vivem como invisíveis. Muitos estão em situação de vulnerabilidade, sendo atraídos pela criminalidade e pelas drogas”.

Ao comentar esses argumentos, o reitor da UFBA observou que projetar de forma invertida utopias, sonhos, desejos, é uma operação de natureza ideológica conhecida. E indagou "que escolha é essa" que podem fazer nossos jovens, ante uma proposta que se lhes impõe rápida e abruptamente.

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